quarta-feira, 25 de novembro de 2009

As Joias [Charles Baudelaire]

A amada estava nua e, por ser eu o amante,
Das jóias só guardara as que o bulício inquieta,
Cujo rico esplendor lhe dava esse ar triunfante
Que em seus dias de gloria a escrava moura afeta.

Quando ela dança e entoa um timbre acre e sonoro,
Este universo mineral que à luz fulgura
Ao êxtase me leva, e é com furor que adoro
As coisas em que o som ao fogo se mistura.

Ela estava deitada e se deixava amar,
E do alto do divã, imersa em paz, sorria
A meu amor profundo e doce como o mar,
Que ao corpo, como à escarpa, em ondas lhe subia.

O olhar cravado em mim, como um tigre abatido,
Com ar vago e distante ela ensaiava poses,
E o lúbrico fervor à candidez unido
Punha-lhe um novo encanto às cruéis metamorfoses.

E sua perna e o braço, a coxa e os rins, untados
Como de óleo, a imitar de um cisne a fluida linha,
Passavam diante de meus olhos sossegados;
E o ventre e os seios, como cachos de uma vinha,

Se aproximavam, mais sutis que Anjos do Mal,
Para agitar minha alma enfim posta em repouso,
Ou arrancá-la então à rocha de cristal
Onde, calma e sozinha, ela encontrara pouso.

Como se à luz de um novo esboço, unida eu via
De antíope a cintura a um busto adolescente
De tal modo os quadris moldavam-lhe a bacia.
E a maquilagem lhe era esplêndida e luzente!

- E estando a lamparina agora agonizante,
Como na alcova houvesse a luz só da lareira,
Toda vez que emitia um suspiro faiscante,
Inundava de sangue essa pele trigueira.

Nenhum comentário: